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05/01/2015ㅤ Publicado às 12:14

Foto: Agência de Notícias do Acre

O rio, a cidade e a floresta no Acre

 

             No período de 18 a 21 de dezembro estive na cidade de Rio Branco no Acre, nesta ocasião fui convidado para participar do  I Seminário Municipal de Arquitetura e Urbanismo de Rio Branco denominado: Cidade e Envolvimento – Somos todos responsáveis pela cidade. Este evento visou proporcionar o debate sobre a vida na cidade, fato proporcionado pelo CAU em todo o Brasil durante o período de 2012 a 2014, aspecto que sem dúvida ampliou e muito o repertório dos arquitetos e urbanistas e de diversos setores da sociedade brasileira.

              Sobre o teor desta viagem, agradeço a toda equipe do CAU/AC sobre a recepção realizada e o apoio operacional para que tivéssemos condições de conhecer o lugar. A grande jornada do CAU em todo o Brasil permitiu para todos nós, redescobrir o sentimento sobre o lugar.

              O Acre tem uma história muito rica, fato que motivou a Rede Globo de Televisão a produzir uma minissérie com o titulo: De Galvez a Chico Mendes, o enredo mostra um conjunto de personagens e um trajeto recheado de lutas e conquistas em território acreano, culmina no contexto contemporâneo na luta de Chico Mendes na proteção exploração dos povos da floresta. Tive a grata felicidade de visitar a cidade cenográfica. No local existem várias edificações construídas, uma delas abriga o Museu que narra à história do filme e todos os acontecimentos da época, o local está impregnado pela resistência ali vivida de todos os personagens.

              O cenário permite conhecer um pouco desta história, nós brasileiros pouco valorizamos a nossa cultura, sempre percebemos tais acontecimentos colocados em segundo plano e em condições adversas. De acordo com os moradores, o próprio cenário cenográfico ficou abandonado, ainda é tímida a visitação do público, podem perfeitamente ser aliados diversos meios para inserir o local dentro de uma programação turística a partir dos indicativos da capital Rio Branco. Esta cidade cenográfica tem um valor maior ainda, pois permite que seja utilizada para visita de alunos e acadêmicos do próprio estado do Acre visando aprofundar os conhecimentos sobre a realidade cultural, histórica e política do Acre.

           Durante quatros dias, realizamos algumas missões importantes: expedição até a cidade de Xapuri e o deslocamento até a fronteira na cidade de Cobija na Bolívia. Em Xapuri, o maior efeito foi na Fundação Chico Mendes e na própria residência que abrigou Mendes, tudo muito simples, carregado de um valor simbólico intenso. A sensação é que a população local não se apropriou do significado Chico Mendes, enquanto defensor e ativista da floresta, para alguns, o seringueiro era visto como “preguiçoso”, algo característico de um Brasil que desvaloriza seus personagens, partindo de Xapuri nos encaminhamos até a fronteira com a Bolívia, precisamente na cidade de Cobija.

            A fronteira é quase sempre um lugar de transição entre países, há certa tolerância no ir e vir. Na cidade boliviana, o comércio está impregnado de produtos da China, condição hoje global para qualquer cidade do planeta, os preços não são muito convidativos em função da alta do dólar das ultimas semanas. As fronteiras do Brasil com outros países apresentam fatores interessantes, a interação entre as culturas, a relação de casais de ambos os países, do lado brasileiro, fica a cidade de Brasileia, lugar pacato, típico de qualquer interior do Brasil, de concreto a percepção, que a fronteira merecia melhor tratamento de infraestrutura e de controle.

           Após esta passagem retornamos a cidade de Rio Branco, várias visitas realizadas em diversos lugares: os projetos executados pela prefeitura e pelo governo do Acre nas áreas de urbanização, habitação, sistema viário e outros investimentos na melhoria da infraestrutura e da paisagem urbana.

            A cidade de Rio Branco tem uma característica que difere das demais cidades amazônicas, o rio ACRE é um rio sinuoso, a primeira vista parece um grande canal urbano, a impressão que fica ao longo dos anos é que o rio foi sendo atingido por múltiplas mazelas ambientais e urbanas, especulação imobiliária, ocupações desordenadas, assoreamento e o enfraquecimento das atividades comerciais que representam a vida orgânica de um rio, apesar deste cenário, mesmo assim, o rio ACRE tem no seu entorno uma vida urbana, cortado por três pontes, acessos exacerbados pela visão dos gestores que acreditam que o mais importante é deixar uma marca do que propriamente respeitar o que está constituído na paisagem.

              São inegáveis os investimentos na cidade de Rio Branco, a proposta de revitalizar as áreas de canais, dar tratamento funcional, estrutural e paisagístico é apreciável, pois a cidade é para isso, compor novas estruturas urbanas que sejam capazes de gerar novas respostas para população. O Parque denominado de “Maternidade” tem um alto valor cultural e ambiental, prova que quando os gestores têm boas ideias, quem ganha é a sociedade, tão importante quanto revitalizar o centro e o entorno, é levar ações deste tipo por todo o conjunto urbano da cidade, inclusive nas áreas mais afastadas e segregadas.

              Em Rio Branco, à palavra “Floresta” ganhou um forte apelo, governos sucessivos legitimaram em quase tudo, o marketing da proposta de associar a ideia da mata ao urbano, é válido, porém, devemos ter o cuidado para não exagerar nos limites entre o que é natural e o que é artificial, tudo em Rio Branco é da Floresta, o estádio, as vias, a biblioteca, etc. Os investimentos de acordo com os arquitetos e urbanistas de Rio Branco transformaram a cidade em um lugar melhor com maiores e melhores índices de mobilidade, acessibilidade e integração com a paisagem, leva tempo para ser absorvido, não devemos apenas criticar, mas enaltecer os esforços realizados em Rio Branco. As cidades amazônicas carecem de ações dos gestores públicos e da participação mais ousada dos profissionais arquitetos e urbanistas.

             Chama atenção em Rio Branco à tentativa de impor arvores ornamentais, concepção típica dos modernistas, é crucial dentro do conceito de cidade na floresta, pensar a cidade como uma extensão da própria floresta. A cidade tem no seu entorno a mata real, mas convive com certa abstração de abrir mão deste preceito.  O traçado urbano de Rio Branco difere de qualquer outra na região, não tem uma linearidade e as tramas são esparsas. As vias  são amplas, auxilia pensar a mobilidade urbana mais estruturalmente e não somente em partes isoladas.

            Um dos últimos lugares visitados em Rio Branco foi o conjunto “Cidade do Povo”. Segundo informações dos arquitetos e urbanistas da cidade a previsão é de construir 10 mil unidades. Um aspecto positivo desta construção é a preocupação dos gestores governamentais em dotar a presença institucional através de escolas, postos de saúde, mercado, feiras e outros segmentos, evitando assim, o que tem ocorrido em várias cidades brasileiras onde o único objetivo é a casa. “Cidade do Povo” tem qualidades entre tantos problemas verificados em todo o Brasil como as fragilidades de propostas e a má qualidade das edificações, todavia, como todo lugar não é perfeito, várias casas entregues vem sofrendo alterações sem a devida orientação técnica contribuindo para acirrar uma serie de outros possíveis problemas como os conflitos decorrentes entre vizinhos e a transgressão do ambiente urbano.

            A palestra que ministrei no seminário do CAU/AC denomina-se: Pensar Cidade. O objetivo é demonstrar um conjunto de tramas de natureza física, social, cultural, ambiental e urbana agregados aos preceitos de formação de um conjunto de teorias, métodos e aplicações que começam buscando a inserção da participação social e a resolução de problemas  inerentes as estruturas de quem propõe o desenvolvimento da cidade. O exercício do pensar ajuda a melhor compreender a condição do lugar em que vivemos, a cidade é o lócus de todos os acontecimentos, permite propor, analisar, avaliar e reavaliar de forma permanente todo o processo.

            Portanto, pensar Rio Branco, assim como as demais cidades amazônicas parece ser algo perfeitamente possível, mas é preciso organização, disciplina, coerência, investimentos e entender que a cidade precisa de projetos de Estado e não somente de governo, também não se deve personificar o lugar como uma marca, e sim como o centro permanente de trocas simbólicas. A partir de Rio Branco, ampliamos o aprendizado, está aberto à porta para avançarmos de forma mais consistente na ideia e concepção de cidades na floresta na região amazônica com mais consistência fortalecendo assim os princípios conceituais sobre o que significa a cidade e a região.

 

José Alberto Tostes
Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Amapá
Coordenador do Grupo de Pesquisa Arquitetura e Urbanismo na Amazônia
Professor da Universidade Federal do Amapá

 

 

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