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26/08/2016ㅤ Publicado às 14:53

Lei de Licitações: audiência pública desmascara “contratação integrada”

Especialistas mostram que modelo não agiliza obras e ainda pode gerar custos excessivos

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O Senado Federal realizou nesta quarta-feira (24/8) audiência pública com especialistas de diversos setores para debater a proposta para a nova Lei de Licitações. O debate realizado pela Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional (CEDN) serviu para contrapor diversos argumentos que vêm sendo utilizados pelo governo federal para ampliar o uso da “contratação integrada”, modalidade de licitação em que a contratação é feita apenas com base em um anteprojeto, o que equivale dizer sem projeto. O CAU/BR defende que as licitações sejam feitas somente com um projeto completo, mas os senadores decidiram por não abrir espaço para manifestação do CAU/BR na audiência. Saiba mais aqui.

 

A proposta que será votada na Comissão foi feita pelo senador Fernando Bezerra (PSB-PE). Ela admite que os órgãos da administração pública possam realizar a “contratação integrada” em obras a partir de R$ 20 milhões. Segundo o senador, a vantagem é que o poder público transfere ao contratante os “riscos do projeto”.Representando o Tribunal de Contas da União (TCU), o auditor Rafael Jardim destacou que essa transferência de riscos defendida pelo senador na verdade representa um aumento de custos. “Quanto mais detalhe o construtor tiver para oferecer a sua proposta, menos risco ele tem. Maiores incerteza vão levar a maiores custos”, disse. O Sindicato Nacional das Indústrias da Construção Pesada também tem restrições contra essa propalada transferência de riscos. “A transferência total de riscos ao particular tende a esvaziar as licitações, tornando-as ineficazes”, disse Caio Loureiro, representante do Sindicato. “A grande discussão que se tem hoje é a divisão do momento em que se tem projeto básico e o executivo, e a zona cinzenta que isso ocasiona para quem assume os riscos de projeto durante a execução da obra”.

 

O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva, José Roberto Bernasconi, apresentou diversos exemplos de obras feitas por meio da “contratação integrada” que apresentaram enormes problemas na fase de execução, como o VLT de Cuiabá, o Aeroporto de Fortaleza e a Refinaria Abreu e Lima (saiba mais aqui). “Essa ideia de fazer processo licitatório rápido não se cumpriu. O que importa não é uma licitação rápida, mas entregar no prazo adequado uma obra de qualidade e a um preço justo”, afirmou.

 

Leia aqui o manifesto do CAU/BR pela ética nas obras públicas

 

PROJETO COMPLETO-  Porém, mesmo com os fracassos comprovados em todo o país, o governo federal insiste em dar prioridade à “contratação integrada”, dispensando a exigência de projetos completos na licitação. Para Walter Baere, consultor jurídico do Ministério do Planejamento, é preciso transferir a atividade de projetos à iniciativa privada porque os funcionários públicos não possuiriam competência para a tarefa. “O problema está muitas vezes na má-formação dos gestores públicos para botar de pé um projeto que faça sentido. Maus projetos geram custos elevados. Isso gera aditivos contratuais e custos extras, gerando elefantes brancos”, disse. “Se não temos pessoal bem capacitado e bem formado e uma equipe grande o suficiente, será que o particular não faz isso de forma mais eficiente?”. Segundo ele, o Brasil está 30 anos atrasado nessa discussão, pois instrumentos como a “contratação integrada” já foram discutidos e implantada “com sucesso” nos Estados Unidos e em países, europeus, no que foi contestado pelo representante do TCU, Rafael CAvalcante: “É preciso ter cuidado com o Direito Comparado, pois cada país tem um histórico e um arcabouço jurídico próprios, e o que se aplica bem em uns, não necessariamente corresponde ao contexto de outros”.

 

José Roberto Bernasconi alerta para os riscos dessa visão do governo. “O projeto é uma linguagem que organiza as soluções para dar funcionalidade ao desejo do dono da obra. No caso das obras públicas, está-se contratando de acordo com os interesses da sociedade. Com a exigência do projeto completo, o projetista estará a serviço do interesses público”, explicou. “No caso da “contratação integrada”, o cliente será o construtor, quem vai ser o mandante do projeto, e assim pode atender a certas conveniências”.

 

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O auditor do TCU também vê sérios problemas com esse raciocínio. “Colocar contração integrada em uma administração pública pouco capacitada técnica ou eticamente é um risco. Ela é uma espaçonave, se colocar motorista de caminhão dirigindo isso, ela vai cair e vai bater”, afirmou Rafael Jardim. Ele destacou que a contratação integrada não agiliza os prazos da licitação, pelo contrário. Como o objeto deve ser mais complexo, a licitação deveria demorar mais. “Contratação integrada se justifica quando o projeto viabilizar uma real competição metodológica. Mas fazer um edital assim leva tempo”, afirmou.

 

José Tadeu da Silva, presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA), ressalta que o projeto completo é essencial para o sucesso de uma obra. “O projeto executivo é onde se pode aferir o que tem ser feito, os detalhes da obra, o custo e sua complexidade. Quando se cita os países desenvolvidos, o que vemos é que eles ficam dois, três, até cinco anos fazendo projeto, os detalhamentos, inclusive o licenciamento ambiental. Quando a obra parte para a execução, tudo que tem que ser feito está ali. Depois a obra se faz sem aumento de custo, tudo dentro do previsto”.

 

CONDICIONANTES –  A Confederação Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) considera que a “contratação integrada” pode ser bem utilizada em alguns casos específicos, mas que isso não está contemplado no atual projeto do senador Fernando Bezerra. “Na nossa visão é necessário que haja pressupostos técnicos para esse tipo de contratação. Existem efeitos colaterais, isso diminui a competitividade”, afirmou o engenheiro Fernando Gonçalves, da CBIC. A entidade, que congrega as empresas da construção civil, quer que a contratação integrada possa ser usada em obras de grande vulto, acima de R$ 100 milhões, e apenas quando houver possibilidade de inovações tecnológicas ou possibilidade de execução com diferentes metodologias.

 

O TCU apresentou uma visão semelhante sobre essa excepcionalidade. “Contratação integrada não é para contratar mais rápido, é para eventualmente aproveitar o expertise das empresas nos setores em que elas entendem mais que a administração publica. Não é qualquer objeto que viabiliza essa prática. Ela é exceção, sob pena de se pagar mais caro sem ter nada em troca”, afirmou Rafael Jardim. Ele apresentou uma alternativa, já contemplada na Lei das Estatais: a contratação semi-integrada. “É simples: licite-se com o projeto completo, dando mais informação ao construtor, com liberdade nos sistemas mais complexos de contratação, alçando inovação e liberdade. Vamos colocar isso nesta lei também”, disse.

 

“Não existe bala de prata, nem contratação integrada ou seguro. Não tenho dúvidas de que tem que estar na lei, mas temos que definir em que condições eles podem ser usados”, afirmou Marcelo Bruto da Costa, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). “Requer cautela e aprendizagem da administração pública”. Para a CBIC, mais importante é que se criem regras específicas área para a contratação de projetos pelo poder público. “Não apenas exigindo mais qualificação técnica do projetista, mas também gerando mais incentivo para que ele faça um projeto que funcione, atrelando sua remuneração ao exito do projeto, uma remuneração por desempenho”, afirmou Fernando Guimarães.

 

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SEGUROS –  Uma das inovações que o projeto da nova Lei de Licitações prevê é a criação do seguro-garantia, obrigando a construtora a contratar uma seguradora que indenize o Estado por eventuais perdas geradas pelas empresas. João Francisco da Costa, da Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg), é preciso ter cuidado com a expectativa que isso vá resolver todos os problemas do governo. “A seguradora pode fazer um acompanhamento da obra quase com viés de fiscalização, mas não é. Nós achamos que essa obrigação é do contratante, não podemos assumir sob risco de criar um conflito de interesses, porque o meu cliente é a construtora. Eu não posso auditar e fiscalizar o meu cliente”, disse. “Não tem como todos os direitos e obrigações serem subrogados à seguradora no contrato.”

 

O auditor do TCU concorda que o seguro não é solução para todos os problemas. “A administração, quando ela contrata um obra, ela não contrata para responsabilizar alguém ou para pegar o dinheiro de volta. Ela contrata a obra para ter o produto e oferecer o serviço ao cidadão”, disse Rafael. “Por isso eu questiono se é interessante contratar o seguro só para ter o dinheiro de volta”.

 

PROVÁVEIS ALTERAÇÕES  – Ao final da audiência, o relator disse ter julgado pertinentes algumas sugestões feitas e prometeu analisá-las com atenção. Uma delas diz respeito ao valor mínimo da obra para a utilização da “contratação integrada”. Bezerra observou que o representante do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva propôs que o valor mínimo deveria ser R$ 2 bilhões; o representante do TCU sugeriu um patamar de R$ 100 milhões; e a proposta do substitutivo é de utilizar os valores definidos na lei da Parceria Público-Privada, ou seja, R$ 20 milhões. “Portanto nós temos aí um espaço para reflexão para que a gente possa definir um valor mínimo para a utilização desse instrumento”, disse ele.  Para o governo, contudo, não deveria existir limite algum.

 

Outra questão é quanto à definição do que é projeto básico. Para o secretário do TCU Rafael Cavalcanti, a definição atual é problemática devido a uma questão histórica. Em 1966, era permitido contratar apenas com anteprojeto. Depois, em 1986, outro decreto lançou o nome projeto básico, mas o Poder Público continuou contratando apenas com anteprojeto, apenas mudando a nomenclatura. Contudo, a Lei 8.666/1993, afirma que não se faz o orçamento detalhado para a licitação sem o projeto executivo. “Sugiro mudar a denominação do projeto básico para projeto completo, acrescentando entre seus componentes o orçamento e não apenas uma avaliação do custo da obra como previsto hoje. O projeto executivo seria, então, um projeto de detalhamento extra”, explicou.  Bezerra gostou da ideia.

 

PRAZOS – O projeto do senador Fernando Bezerra (PSB-PE) receberá emendas até a próxima sexta-feira, que podem ou não ser integradas ao texto que será apresentado à Comissão de Desenvolvimento Nacional. Uma vez aprovado na comissão, o PLS 559/2013 vai direto a plenário. Mas terá de passar pela Câmara dos Deputados antes de ir à sanção presidencial.

 

Durante a audiência pública, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) disse que considerava inapropriada a discussão da matéria às vésperas da sessão de julgamento do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff. “Talvez seja uma deficiência minha, de inteligência, de compatibilizar tudo isso, mas eu me recuso a votar essa matéria e participar desse debate tão curto em apenas um dia de sessão, sendo que nós já o debatemos por oito meses e alguns que estão aqui participaram desse debate”, afirmou a senadora antes de se retirar da comissão.

 

Kátia Abreu disse que pensa em falar com o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, sobre sair da comissão, para não se sentir “irresponsável diante do tema”. Fernando Bezerra não gostou da ideia e lembrou o projeto foi avaliado por uma comissão especial do Senado presidida pela senadora Kátia Abreu e que realizou mais de 30 audiências públicas. “Já apresentamos diversas versões do substitutivo, tudo no intuito de chegarmos ao melhor texto possível. Mas fica claro, no debate, que muitas questões serão decididas no voto. Não tem como conciliar todas as posições e nós não vamos ter condições de eliminar todas as incertezas, todos os riscos. Nós não vamos ter um texto completo e acabado, um texto perfeito, disse o senador pernambucano.

 

Saiba tudo sobre a Lei de Licitações

 

Publicado em 24/08/2016 e atualizado em 25/08/2016 incluindo informações da Agência Senado

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